segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Argentina tem primeira professora de

pré-escola com síndrome de Down
Diego Lima/AFP
A professora Noelia lê uma história a seus alunos da pré-escola Jeromito, em
Córdoba, na Argentina
PAULA BUSTAMANTE
DA AFP
26/10/2016 07h00
Com os olhos arregalados, as crianças ouvem a história contada por Noelia Garella.
Nenhum deles sabe que têm diante de si a primeira professora de pré-escola com
síndrome de Down na Argentina, e uma das poucas no mundo.
Crianças de dois e três anos cercam "Noe", como Noelia é chamada na pré-escola
Jermonito, e a obedecem quando ela pede que se sentem para ouvir uma história.
Minutos depois, todos a imitam quando ela abre a boca como "um tubarão".
"Adoro isto. Desde pequena sempre sonhei em ser professoraporque eu gosto de
crianças", contou à AFP Noelia, que em 2007 se formou professora pré-escolar na
cidade de Córdoba e em 2012 começou a exercer a profissão,responsável pelo
programa de estímulo precoce à leitura na escola Capullitos.
"Rapidamente nós percebemos que ela tinha muita vocação eque dava o que as
crianças do maternal mais apreciam, que é o amor", lembra Alejandra Senestrari,
ex-diretora de Capullitos.
Noelia ainda se lembra dos episódios de discriminação que sofreu quando era criança,
mas hoje, com 31 anos de idade e quatro de docência em Córdoba, conta com orgulho a
sua experiência de inclusão.
"Com as crianças sempre me sinto bem, seus pais me adoram e as outras professoras e
as diretoras que tive são maravilhosas", afirma.
Desde janeiro, junto com outra professora, está encarregada da turma de primeiro ano
no Jardim Maternal Jeromito.
"Neste ano tenho uma criança com síndrome de Down" na turma, diz entusiasmada ao
lado da sua mãe, Mercedes Cabrera, funcionária pública aposentada. "Ah, como é bonito
quando nasce alguém como eu."

'MONSTRO FELIZ'

Com um grande sorriso, Noelia conta um episódio de quando era criança, que sua mãe
recorda com os olhos cheios d'água: o dia em que a diretora de um jardim de infância
disse aos seus pais que ali não estudavam "monstros".
"Essa professora, para mim, é como a história que eu leiopara as crianças: um monstro
triste, que não entende nada e se equivoca, enquanto eu, por outro lado, sou um
monstro feliz", afirma.
Delfor Garella, o pai de Noelia, lembra de outro episódio de discriminação. "Quando
nasceu a Noe, nossa primeira filha, o médico me disse: 'Tenho que lhe dar uma má
notícia'. Eu imediatamente perguntei se o bebê tinha morrido, e ele me respondeu: 'não
senhor, mas é Down'", conta este engenheiro civil também aposentado.
Fora do trabalho, Noelia adora dançar, "principalmente bachata e reguetón". Segundo
sua família, ela é a mais sociável do clã.
"A Noe é a que mais sai, sempre tem um plano com amigos", conta sua irmã.

AUTOESTIMA, O ANTÍDOTO

Duas das características mais evidentes de Noelia são a autoestima e o otimismo, à
prova de qualquer preconceito.
Foi assim que ela conquistou a empatia dos seus colegas.
"De maneira nenhuma foram empecilhos", explica Senestrari, hoje supervisora de
professoras da pré-escola municipal em Córdoba. O que houve foi uma consideração
docente "a partir de um lugar de responsabilidade" de que alguém com síndrome de
Down não podia estar a cargo de alunos.
Mas essas dúvidas alimentaram um debate que terminou com uma reflexão da
comunidade de pais, professores e inclusive do prefeito, que concluíram que o trabalho
de Noelia podia ser dignificante.
Assim, lhe foi dada a oportunidade de exercer como professora de matérias especiais,
como as oficinas de leitura precoce.
"Com o tempo, essas pessoas (que eram resistentes) concordaramcom a iniciativa de
adicionar a Noe como docente", disse Senestrari.
Susana Zerdan, diretora de Jermonito, afirma que "temsido uma experiência única na
equipe. A integração e a naturalidade com que as crianças a recebem já é para nós uma
lição de vida".
"Nos disseram que ia haver uma professora com síndrome de Down e que não nos
assustássemos, mas para mim pareceu normal, e a ideia de que possa compartilhar com
as crianças me pareceu muito boa", disse Ariel Artino, paide um dos alunos.
"O que eu quero é que leiam, que escutem, porque na sociedade é preciso escutar",
ressalta Noelia, que no âmbito pessoal sonha em formar una família, conta, sem
conseguir conter sua alegria porque está "conhecendo alguém" que lhe deixa com
borboletas no estômago.

Nenhum comentário:

Postar um comentário